Texto de Tuca Munhoz |
No sábado passado fui com minhas filhas, e uma amiga, visitar a Pinacoteca da Cidade de São Paulo. Já fui lá várias vezes, é o meu museu preferido em São Paulo. E já fui com minhas filhas mais de uma vez, mas com uma de cada vez. Essa foi a primeira vez que fui com as duas juntas.
O trajeto é simples. Tomamos o metrô, linha amarela, aqui na República e desembarcamos na Luz. O elevador do metrô na Praça da República nem estava quebrado...
O caminho é rapidinho e ao desembarcarmos na Estação Luz do Metrô, é necessário realizar um trajeto por dentro das dependências da CPTM, Companhia Paulista de Trens Metropolitanos, para chegar à Praça da Luz, onde fica a Pinacoteca, ao lado do Parque da Luz, um parque muito lindo. Que também já fui várias vezes com minhas filhas.
Esse trajeto, pelas dependências da CPTM, não foi simples, pois não encontrávamos a saída acessível e muito menos encontrávamos qualquer tipo de informação, seja fornecida por algum funcionário ou por sinalização.
A Vitória, namorada de minha filha, se mostrou bastante surpresa com a situação, e por várias vezes demonstrou sua perplexidade e, também, indignação.
Já a Leona, acostumada à essas situações, pois andamos muito pela cidade, nos acompanhava e solidariamente ajudava a Cecília na eliminação das barreiras possíveis, leia-se: gradis.
Finalmente encontramos um funcionário que nos “orientou” sobre onde estava o elevador. Ele mesmo disse que poderia parecer que o elevador não estaria disponível para uso, pois o acesso a ele estaria fechado por um gradil.
Chegamos ao elevador e o tomamos. Chegamos à estação da luz, nas plataformas de embarque/desembarque, e depois de muito procurar, sempre com a dianteira de minha filha mais velha, em busca de informações ou pessoas que pudessem nos orientar, chegamos a alguns vigilantes, para os quais tivemos que gritar, pois estavam em outra plataforma.
Um dos vigilantes que acreditamos, nos atenderia, disse: - um minuto. E sumiu.
Outro veio nos atender, mas passando a impressão de que esse atendimento era mais por camaradagem do que por um padrão de atendimento profissional.
Tivemos então que pegar outro elevador, percorrendo um caminho labiríntico. Saímos, finalmente.
Realizada a visita à Pinacoteca, à exposição Enciclopédia Negra, e ao acervo permanente, voltamos pelo mesmo caminho. Estação da Luz, para chegar à Av. Casper Líbero, pois a ideia era voltar andando. Moro no centro da cidade.
Conheço o caminho por dentro da estação, sei que há entradas e saídas acessíveis dos dois lados. Mas, para nossa surpresa, a saída para o lado da Av. Casper Líbero estava fechada, logo de cara por gradis na entrada do corredor que dá acesso à rampa. Minha filha não titubeou em retirar os gradis para me dar passagem, mas quando chegamos ao final da rampa, a porta que dá para a rua estava trancada. Repito: estava trancada!
Essa saída foi construída bastante afastada da principal. É uma situação bastante comum, a acessibilidade é implementada onde tecnicamente é mais simples e barato, sem ser levada em consideração se essa será a melhor solução para o usuário.
E vamos de novo procurar alguém que possa destrancar essa porta, e nos explicar do porquê estava trancada.
Acabamos por encontrar, do outro lado da estação, um vigilante, que se mostrou grosseiro e absolutamente despreparado para o atendimento ao público. Sinceramente fiquei com medo de que ele agredisse minha filha, pois ela protestou energicamente contra essa situação, e o vigilante fez questão, o tempo todo, em ter razão.
Nos acompanhou até a saída acessível do outro lado da estação e destrancou a porta.
Perguntei a ele como ficaria a situação de alguém que precisasse dessa rampa para entrar, e não para sair, como era nosso caso. Como faria essa pessoa?
Ele singelamente explicou que haveria três possibilidades: a pessoa viria acompanhada, e seu acompanhante chamaria alguém para destrancar a porta; daria a volta pela estação acessando a outra entrada, ou acionaria uma das moças, profissionais do sexo, que ficam junto à entrada não acessível, solicitando a alguma delas que chamasse algum responsável pela estação.
É isso. Um simples passeio.
Comentários:
1. Para se ter ambientes acessíveis não basta o cumprimento das normas técnicas, (ou ações judiciais). É absolutamente necessário que as pessoas que trabalham nesses locais estejam preparadas e capacitadas para o bom atendimento, e que haja um padrão de atendimento que leve em consideração as necessidades singulares de cada pessoa.
2. A acessibilidade deve ser pensada para todas as pessoas, não apenas para cadeirantes, que são os demandantes mais óbvios de acessibilidade. Como ficaria uma pessoa idosa nessa situação pela qual passei, uma pessoa com carrinho de bebê, uma mulher grávida? Certamente essas pessoas estão excluídas do “acesso à acessibilidade”.
3. A não ser o piso tátil, não há mais nada para a acessibilidade e o bom atendimento às pessoas com deficiências sensoriais. A sinalização sonora é de péssima qualidade, não se entende o que é falado, não há sinalização por cores, ícones ou texto.
4. A implementação da acessibilidade anda, necessariamente, com um processo de humanização de ambientes, locais e espaços urbanos. A simples observância das normas técnicas de acessibilidade é parte do processo, que precisa ser sistêmico, integrado e humanizado, para que esses locais e ambientes se tornem, aí sim, verdadeiramente acessíveis.
5. Reiterando: as normas técnicas são imprescindíveis, mas não suficientes, sobretudo quando são aplicadas voltadas apenas para os cadeirantes. Certamente, os transportes públicos, e suas estações, são muito mais utilizadas por pessoas com mobilidade reduzida, idosos, pessoas convalescentes e adoecidas, estrangeiros que não dominam o português etc. A acessibilidade é, também, para essas pessoas.
A acessibilidade é para todas as pessoas!
Tuca Munhoz, primavera, 2021.
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