Vários foram os retrocessos impostos ao Brasil nos últimos anos. Atravessamos crises que envolveram setores econômicos, culturais, sociais e, inclusive, a própria democracia esteve sob ataque.
Diante os desafios, é necessário construir amplos debates para que o país se reconstrua e renasça em um novo “amanhã”, onde a invisibilidade e o ataque a determinados corpos se tornem parte de um passado que seguiremos vigilantes para que não se repita. Neste sentido, entre os corpos atacados no último período estão os das pessoas com deficiência.
De acordo com o Censo 2010, a população com deficiência representa 23,9% das pessoas no Brasil. Mesmo sendo uma população numericamente expressiva, historicamente segue marginalizada e invisibilizada nos debates e construções de políticas públicas, fato que pôde ser evidenciado nas eleições de 2022, em que, de acordo com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE)1, apenas 1,6% de pessoas candidatas declararam ter alguma deficiência.
Diversas são as Leis e Resoluções em nosso país voltadas às pessoas com deficiência, mas o que se observa é a dificuldade do governo e sociedade de colocá-las em prática. Basta constatar que, mesmo com a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (ONU), que foi o primeiro tratado de direitos humanos no Brasil a ter status de emenda constitucional, e a Lei Brasileira de Inclusão, Lei 1.3146/2015, que reconhecem e determinam o direito à saúde integral e a participação das pessoas com deficiência, tais direitos ainda não foram efetivados.
Outro aspecto importante é que, desde a Resolução nº 452 de 10 de maio de 2012 do Ministério da Saúde, que determinou a utilização da Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF) no Sistema Único de Saúde, inclusive na Saúde Suplementar, pouco avanço foi observado no sentido de enfatizar os contextos ambientais e as potencialidades dos indivíduos com deficiência, e não se restringir aos fatores biológicos, individualizantes. O capacitismo, discriminação em razão da deficiência, é observado nessa demora, assim como vivenciado dia-a-dia através da falta de atendimento que garanta a integralidade, falta de acessibilidade nos transportes, espaços e na comunicação, por exemplo.
Neste contexto, ao pensarmos no Brasil que queremos para as pessoas com deficiência, seria aquele que cumpre as leis voltadas para essa população, que reconhece a necessidade de implementações de políticas públicas que contemple em especial a atenção integral à saúde.
De acordo com a Política Nacional de Saúde da Pessoa com Deficiência e as próprias diretrizes do SUS, toda pessoa com deficiência tem o direito de acesso à saúde de forma equânime em todos os níveis de atenção, o que inclui, mas não se limita, a reabilitação. Cabe ressaltar que, para que isso se efetive, é necessário melhorar os mecanismos de informação sobre a deficiência e a capacitação de trabalhadores da saúde e de gestores, em todo território nacional.
Em meio a necessidade de debates e reconstruções, temos em vigência a 17ª Conferência Nacional de Saúde. As Conferência de Saúde, que ocorrem a cada quatro anos e servem para avaliar a situação de saúde do povo brasileiro, são espaços de participação popular para a construção das políticas públicas do Sistema Único de Saúde (SUS). Mais do que isso, representam a oportunidade de dialogar com o poder público, determinando os rumos da saúde para que estejam alinhadas com as nossas necessidades enquanto pessoas usuárias do maior sistema público de saúde do mundo, o SUS.
Desta forma, para o Brasil que queremos se realize, em especial para as pessoas com deficiência, é indispensável a participação efetiva dos interessados na construção e elaboração de políticas públicas, por isso, reafirmamos a necessidade de garantia dos direitos das pessoas com deficiência e as convocamos a participarem ativamente das etapas que envolvem a 17ª Conferência Nacional de Saúde, que já começaram por meio de suas atividades preparatórias e etapas municipais.
Com o tema “Garantir Direitos e Defender o SUS, a Vida e a Democracia – Amanhã vai ser outro dia”, precisamos refletir sobre qual é o nosso papel, enquanto pessoas com deficiência e sociedade civil organizada, nessas defesas e, principalmente, que não há democracia possível sem a participação de TODA a população.
Os impedimentos ao exercício da cidadania das pessoas com deficiência precisam ser coletivamente enfrentados, o que exige um diálogo aprofundado sobre a temática, a fim de que ações e políticas públicas implementadas sejam realmente eficazes para o bem-estar social dessa população, ao respeitar as suas caraterísticas e particularidades.
Com a necessidade de reafirmar a importância da democracia participativa, cabe destacar que nós, pessoas com deficiência, somos mulheres e homens, pessoas LGBTI+, pessoas idosas, pessoas negras, indígenas, pessoas ativas profissionalmente, pessoas em situação de rua, pessoas vivendo com HIV e outras condições crônicas, entre tantas outras identidades políticas.
A presença atuante das pessoas com deficiência é fundamental para que o amanhã seja outro dia, afinal “nada sobre nós, sem nós”!
Foto: 16ª Conferência Nacional de Saúde FONTE: https://conselho.saude.gov.br/ultimas-noticias-cns/2930-artigo-nada-sobre-nos-sem-nos-rumo-a-17-conferencia-nacional-de-saude
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